domingo, 2 de maio de 2021

Do ser abusivo

Engraçado como você me veio hoje à mente dissociado de qualquer sentimento. Não havia amor, nem raiva, nem saudade. Apenas sua lembrança e de tudo que vivemos em tão pouco tempo. De tudo que eu aprendi em tão pouco tempo.

Responsabilidade afetiva.

Caramba! Você realmente me fez entender esse termo tão recorrente nos dias atuais e ainda tão pouco compreendido ou, quem sabe, muito negligenciado.

Você é doentio. Eu queria poder dizer isso diretamente a você pela amizade que tínhamos, talvez pelo carinho unidirecional da nossa relação. Eu queria dizer exatamente essas palavras e ser bem compreendida. Sem você tentando reverter a situação, sem você tentando me colocar no pódio da loucura, sem essa briga de egos e personalidades travadas no seu interior.

Hoje você me veio à mente e eu sequer consegui sentir no peito esperança por você e pela sua mudança. Só mudamos quando queremos. E só queremos quando entendemos ser necessário. Você ainda não entende, não é?

Paralelo a tudo isso, me lembrei de outro alguém. 

Alguém que veio depois de você, e me encontrou parcialmente refeita (nós nunca nos refazemos por completo). A semelhança em alguns comportamentos era notável: a necessidade de ser visto e bem quisto, o interesse pelo corpo e pela futilidade, a insistência em estabelecer vínculos baseados na imaturidade - talvez prevendo uma facilidade no processo. E, diante de tudo isso, esse outro alguém apenas despertou em mim ainda mais paixão. Eu me apaixonava a cada encontro, a cada carinho, e a cada vez que ouvia com clareza as palavras "eu não quero um relacionamento". 

É tênue a linha entre "ser abusivo" e "o ser abusivo". Às vezes, só percebemos a diferença após estarmos nas duas situações. E fica cada vez mais fácil ser o primeiro após ter lidado com o segundo. Algumas marcas ficam pra sempre, mesmo sendo ressignificadas. 

Nesse ponto particular de compreensão, pude deduzir que:

Você viveu um relacionamento abusivo e, estando fora dele finalmente, optou por ser o abusador

O outro alguém também viveu um relacionamento abusivo, mas hoje em dia está preocupado apenas em viver sua vida como quer, optando por não construir relacionamento nenhum e, dessa forma, se isentar de qualquer abuso - em algum momento, talvez alguém o faça mudar de ideia, mas existem grandes chances de essa pessoa não ser eu, o que me permite cuidar da minha própria vida sem sofrer por isso.

Percebe a diferença?

Com esse outro alguém eu tenho escolha. A decisão de me iludir, de achar que sou mais importante que outras pessoas e fatos, de acreditar que existirá algo maior entre nós, tudo isso está nas minhas mãos. Se sofro, é porque quero, de um jeito ou de outro.

E meu protagonismo é baseado nisso: também vivi (e parece ser cada vez mais fácil viver) um relacionamento abusivo. Em resposta, fui abusiva nesse mesmo relacionamento. Saí com feridas disso tudo. Opto todos os dias pela sinceridade, a fim de não magoar ninguém que se aproxima de mim com carinho e me ajuda a curar essas feridas todas. Por isso, eu entendo aquele outro alguém. Ele é o culpado por eu me apaixonar, mas não é o culpado por eu querer me iludir. O mesmo acontece comigo quando estou na posição dele.

Mas, em alguns momentos, eu ainda sou insegura e pratico abusos. E isso acontece quando me deparo com pessoas como você, que insistem em agir dessa forma. Porque eu não sou perfeita, nem estou totalmente refeita. 

E, exceto pelo seu jeito egoísta de levar a vida, está tudo bem.